
Mais que um espetáculo, um projeto com a comunidade
Durante 8 meses, a equipa do CLDS 4g Monção e a Associação Cultural Rock 'n' Cave foram ao encontro de várias pessoas e tradições. Com a ajuda da equipa do Space Ensemble, responsável pela direção musical e artística do espetáculo final, recolheram memórias, imagens e histórias que merecem ser ouvidas. Pelos olhos e vozes da comunidade de Monção, levamos ao palco um espetáculo único sobre a memória coletiva deste território. Estas são algumas das características que encontrámos neste caminho.
Pessoas
Estas são algumas das pessoas que fomos encontrando no decorrer da Trilogia dos Vales.
Pessoas que partilharam connosco as suas histórias de vida e experiências em Monção, para que seja possível
partilhá-las com outras pessoas, mantendo vivas as suas memórias e tradições.
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Virgílio
O sapateiro
'Mudou o que tinha de mudar... dantes era tudo casinhas velhas e agora as novas estão abandonadas que não há gente.'
Em Pias todos recordam o Virgílio como uma personagem de um conto. Num texto de memórias da Lídia, ela menciona-o: ‘vou destacar o Gilo (Virgílio de seu nome) que, talvez por ser manco, se fez sapateiro.’.
A primeira vez que conhecemos o Virgílio, foi num dia quente de janeiro. Através do seu portão ouvimos algumas das suas histórias, das quais pouco percebemos, mas a sua teatralidade bastava para serem encantadoras. Mais tarde conhecemos a sua oficina e entre o pó encontramos as memórias do seu ofício. Mostrou-nos, passo a passo, como se faziam as socas antigamente. Contou-nos sobre como muita gente ainda andava descalça naquele tempo. No meio da sua nostalgia feliz, ofereceu-nos uma garrafa de alvarinho e agradeceu a visita.
Carolina
O linho
A Carolina fez a prática do linho renascer em Moreira. No município de monção qualquer idoso tem recordações do linho, 'ai, o linho dava tanto trabalho'. Contam-nos do linho como uma coisa do passado. A Carolina teve a dedicação e determinação para fazer renascer esta prática. Em 1998 criou a casa do linho de Moreira. Aprendeu as diferentes fases de trabalho com as mais idosas desta região e agora é ela quem ensina a sua arte a diversas pessoas de Moreira. Sempre que entramos nesta casa, está cada senhora submersa na sua tarefa do linho: espadelar, assedar, fiar... Através das suas mãos mantém-se uma tradição antiga desta região.
Aurora
O moinho
Cavenca tem um moinho de farinha que com a força do rio, mói o milho. A primeira vez que fomos ao moinho ficamos encantados com a força da água, o movimento da farinha, o eco das pedras naquele espaço pequeno e escuro. A segunda vez que regressamos ao moinho, ele já estava a moer. Encontrámos uma senhora que nos perguntou: ‘o que estais aqui a fazer?’, assustada. Explicámos que já ali tinhamos estado com a Maria, e que foi ela que nos mostrou o moinho. Perguntámos-lhe o nome, e ela, com um ar desconfiado, respondeu: ‘Rosa’. Falou-nos sobre o moinho, o único que sobreviveu às cheias de 2000. No regresso a Cavenca, cruzamo-nos com a Maria, que pergunta: ‘Aurora, que estais a fazer com eles?’. Assim ficámos a saber o verdadeiro nome desta senhora que tantas vezes encontrámos Cavenca.
Maria
A força
'Isto está tudo ''esfolhamado'', agora vai tudo embora'
Atravessar a rua principal de Anhões sem ver a casa da Maria Crasta é impossível. Como ela, a casa é velhinha e forte, parecendo durar para sempre. Tem uma porta azul, um pátio exterior, onde está a Maria Crasta à conversa com a sua amiga Maria. Ambas olham para nós com curiosidade. A Maria Crasta, com o seu olhar rasgado, começa a falar-nos da vida do antigamente, com uma vivacidade que nos transporta para as suas memórias. Conta-nos das suas indignações como se estivessem a acontecer no próprio momento, e conta o passado tal qual o sentiu. E assim foi o primeiro encontro com Maria Crasta, senhora sempre com enxada na mão, preparada para trabalhar nos terrenos ‘quase esquecidos’ de Anhões.
Idalina
Os poemas
'Eu só fiz a terceira classe, e escrevia mal. Um dia estava sentada em casa da minha irmã e aquilo tem muitas flores, lembrou-me assim, vou escrever um poema destas flores.’
Chegar ao alto de Riba de Mouro e, lá numa casinha no alto da serra, conhecer a Idalina, foi dos momentos mais bonitos da Trilogia. Tínhamos perguntado à senhora do restaurante quem sabia poemas e quadras antigas, que depois nos disse para ir falar com o Padre Joel, que por sua vez nos disse para subir a Cavenca. Em Cavenca levaram-nos a conhecer a Idalina Celeiro Esteves, a poeta. Ali, ao final da tarde, com a serra engolida em sombra, declamou os seus inúmeros poemas que sabia de cabeça. Muitos deles falam sobre a simplicidade da vida no campo, a beleza das flores, a vida de agricultor. Guardamos a imagem da Idalina com um caderno, a pastar as vacas no monte e a escrever os seus poemas.
Tibério, Jaime, José e Manuel
A poda
À chegada de Anhões existe uma bifurcação. Até este dia virámos sempre para o lado esquerdo. Dia 2 de Fevereiro fomos para o lado direito. Ao parar o carro, vimos um grupo de quatro senhores a comer a merenda: chouriço de porco preto, pão e uma malga de vinho verde tinto. Estavam a fazer a poda da vinha de casa do Senhor Manuel. Perguntámos se podíamos filmar e fotografar, ao qual imediatamente disseram que sim, e juntamo-nos à sua merenda. O Jaime, sempre atento, estava impressionado com os desenhos que a Vera fazia. O Tibério seguia a câmara do Filipe. O José com um olhar doce e o Manuel de tudo se ria. Fomos passando em várias casas de Anhões, a podar as pequenas vinhas de cada uma delas.
Lugares
Estas são as histórias dos lugares que visitamos. Lugares pouco povoados, mas repletos de características únicas,
onde cada habitante tem uma história ou uma curiosidade sobre o território que merece ser ouvida.
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Anhões
‘Como é que alguém que nasceu aqui, pode achar qualquer outro sítio bonito.’
Filipe Barreiro
Numa manhã fria de Janeiro em que a geada tudo escondia, chegámos aos Anhões. Os Anhões são localizados num dos vales mais mágicos de Monção, onde pedras agudas delimitam os campos até ao final das montanhas. No meio deste verde descobrimos as senhoras dos Anhões, que nos acolheram com grandes sorrisos e uma bondade extrema. Aqui, como dizia Maria Castra, vive uma mulher em cada casa, cada uma com a sua história. Muitos familiares emigrados, muitas memórias do antigamente. De casa em casa, de conversa em conversa, fomos conhecendo as pessoas dos Anhões.
Cavenca
‘Quem quiser subir à Serra, não sobe sem dar um Salto,
Vir ao Lugar de Cavenca para ficar cá mais no alto’
Extrato de um dos poemas de Idalina
Cavenca, no alto da Serra, é uma pequena povoação em Riba de Mouro. O que este local tem de pequeno, tem de encantador. Uma rua atravessa Cavenca e nela tudo se passa. De manhã passam os animais na saída das cortes, de seguida a carrinha que traz o pão de Melgaço. Entre as sombras passeiam as senhoras que dão vida a esta aldeia, contando-nos sobre as suas memórias: ‘antigamente não havia um único bocadinho de terra por trabalhar’. As ruas são contornadas pela água que passa no canto do passeio, água que vem do rio e que passa num moinho de farinha. Em Cavenca encontrámos a essência de uma vida passada, uma vida com um ritmo único e uma poesia que só uma vida perto da Natureza pode ter.
Moreira
‘Oh lindo, oh lindo linho, que nos dá tanta canseira, o linho é trabalhado pelo povo de Moreira’
Ao passar a estrada que atravessa o município de Monção, vê-se uma placa de uma senhora com uma roca na mão. Aqui é Moreira. Em Moreira, ainda se cria o linho de raiz. O linho passa por 21 fases, de planta a tecido. Na casa do linho de Moreira, uma antiga escola primária, sentimos o som das diferentes máquinas, a roca, o tear. Lá dentro encontramos cinco senhoras que mantêm esta tradição. Contentes por fazerem o linho, recordam as mães e avós, cada uma embalada na sua tarefa. Antes de existir a casa do linho de Moreira, já não se fazia o linho. A comunidade fez renascer esta prática, e agora, ao entrar na casa do linho, parece que esta prática nunca deixou de existir.
Messegães, Rio Minho
'Vendo-os assim tão pertinho, a Galiza mail’ o Minho, são como dois namorados, que o rio traz separados, quasi desde o nascimento. Deixal-os, pois, namorar, já que os pais para casar, lhes não dão consentimento'
João Verde
O rio Minho é a eterna separação entre Portugal e Espanha, o contorno do ser português ou espanhol. Este rio faz parte da memória colectiva de Monção, tendo sido o cenário das mais diversas histórias que nos foram contadas.
Pias
‘A sua casa, uma casa muito humilde, baixinha e com três divisões, ficava em Pias de Baixo.’
Lídia Pinheiro em Memórias
Pias é um lugar para ir ao encontro de histórias e memórias. Em Pias as pessoas descrevem-se umas às outras como seres especiais e mágicos. Assim conhecemos a Lídia, que segundo a Edite era uma das pessoas com mais lembranças do antigamente, uma pessoa com uma memória fora do vulgar. A Lídia por sua vez falou-nos da Maria, uma idosa que ainda se lembra de muita coisa, que sabe muitas quadras e canta muito bem. Chegámos a casa da Maria que nos disse que não se lembrava de nada, sugeriu-nos ir falar com um verdadeiro contador de histórias, o seu irmão Virgílio. O Virgílio contou-nos histórias com um brilho no olhar, uma expressão que se sobrepunha às suas palavras. A ele falamos-lhe da Lídia, ao qual ele disse, ah, sim a Lídia é, e sempre foi muito esperta. Assim se vive o círculo de Pias.
Santa Marinha
‘Dantes as casas eram todas de madeira’
Santa Marinha, lá no alto de Tangil, é um local onde podemos sentir o ritmo lento das nuvens a passar nas montanhas. Sobre ruas estreitas subimos ao topo da serra onde encontramos brandas com pedras das mais diversas cores, rodeadas do verde vivo desta região. No alto da montanha vivem poucas pessoas, que passeiam as suas vacas nos montes. Aqui a Natureza guia o ritmo da vida.